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Elisângela Pimenta

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Mitos e Contos Indígenas

COMO APARECERAM OS ANIMAIS

Motivo dos índios caingangues

Depois do dilúvio, a Terra ficou desabitada. Salvaram-se alguns homens da tribo dos caingangues, mas nenhum dos animais que antes viviam pelas matas e campos.

Sem o trinado dos pássaros e os gritos dos animais, o silêncio das noites era aterrador. E muito triste a solidão dos dias. Com medo das trevas, os índios acendiam fogueiras para dormir ao seu redor. Continuamente, pediam a Tupã que mandasse bichos para o mato e soltasse aves no céu.

Afinal, Tupã compadeceu-se e resolveu atendê-los.

Mandou então Cadjurucre, herói já morando no céu, que descesse à Terra e criasse animais. Deveria também dizer a cada um deles quais os seus modos e meios de vida, costumes, alimentos, obrigações.

Cadjurucre descia todas as noites, trabalhava e voltava ao céu à primeira luz da aurora. Com o orvalho recolhido às folhas da taioba, umedecia as cinzas e os carvões da primeira fogueira acesa pelos homens, passado o dilúvio. Usando a mistura, modelava os animais. Enquanto seus dedos davam forma aos bichos, repetia.as ordens de Tupã aos futuros moradores dos matos, campos e rios.

Na primeira noite fez a onça, que é a rainha da selva. Na segunda, o guariba, que domina as altas árvores. Em seguida, o gavião-de-penacho, o gambá, a arara, a guaiquica, o jacaré, a capivara, a pacarana, o veado e uma infinidade de aves e peixes.

Seu trabalho tomou muito tempo. Ensinou a suçuarana a miar, o veado a correr e a saltar, o macaco a trepar pelos troncos e cipós. Fez o tatu cavar buraco, mandou a tartaruga nadar, quando estivesse no rio, e caminhar, quando estivesse em terra. Ao amanhecer, o bicho criado durante a noite sumia rumo a sua morada.

Certa manhã, de volta ao céu, ouviu de Tupã:

— Basta de criar animais. Céu e Terra estão de tal modo cheios que eles já lutam entre si. Há caça suficiente para os homens. Não precisa voltar à Terra!

Cadjurucre explicou:

— Restam três carvões e um punhado de cinzas.

Diante disso, Tupã concedeu:

— Na próxima noite, você criará o último animal. Não deixe sobras das cinzas e dos carvões. Depois, descansará. A floresta, o campo, as águas e o céu estão cheios de vida.

Ao anoitecer, o enviado de Tupã começou a trabalhar com grande vontade. Queria aproveitar todo o material sobrado da primeira fogueira.

Fez coisas extravagantes Modelou uma cauda longa e larga, um corpo grande e forte, braços robustos, unhas compridas e afiadas. E um focinho mais longo, bem mais longo do que o focinho dos outros bichos. Não poupou nada. Nem um cisquinho de carvão, nem uma pitadinha de cinza, O último bicho estava saindo o mais desproporcionado da criação!

Trabalha e trabalha, põe uma coisa daqui, um pelo dali, uma mancha deste lado, uma cor mais forte do outro, e de repente viu-se surpreendido pelo anunciar do dia. E não havia terminado o trabalho! Faltavam, ao estranho animal, a língua e os dentes!

Clareava. Devia voltar ao céu.

Cadjurucre, num gesto rápido, colheu uma folha de capim, longa, macia e flexível, e enfiou-a na boca do animal. Já não tinha tempo para outra coisa. O Sol nascia!

De partida, disse ao bicho que acabava de criar:

— Essa é a sua língua. Você já pode falar. Corra para o campo que o dia vem nascendo.

Mas o bicho não se moveu, como que esperando por mais alguma ordem.

Cadjurucre, subindo para o céu, perguntou:

— E então?! O que espera?! A criação está terminada. Não posso fazer mais por você!

O animal, erguendo-se sobre as patas traseiras e apontando para a boca disforme, gritou:

— Se não possuo dentes como os outros animais e se tenho uma língua comprida e macia, mas pouco resistente para as comidas duras, o que é que vou comer?

Quase desaparecendo entre as nuvens e os raios do Sol, Cadjurucre aconselhou:

— Pois, se não tem dentes, deve alimentar-se do que não precisa ser mastigado: formigas! Para apanhá-las, use a língua comprida e ágil!

Já com fome, o bicho partiu à procura de formigueiros. Ainda anda pelo mato e pelo campo, com o longo focinho e a cauda em forma de leque, à cata de formigueiro. Quando o encontra, mete por ele a língua e recolhe o seu alimento: formigas.

Por isso, os índios chamaram esse animal pelo nome de tamanduá, que para eles quer dizer: caçador de formigas!

DONATO, Hernâne. Contos dos meninos índios. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2006.

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